Era quase final de manhã de uma quinta feira. Últimos pacientes para atender. Vou até a porta e chamo pelo próximo paciente. Ela entra acompanhada de familiar. Estive esperando por esta consulta havia alguns meses. Olho para ela com um subliminar pedido de ser indultado. Precisei da intervenção de um colega de trabalho para que a paciente aceitasse consultar de novo comigo. Iniciei explicando meus motivos ao pedir para ela vir falar sobre seu tratamento. No final pedi desculpas pelo acontecido 3 anos antes. Ela me indultou. Pazes feitas e de novo poderei atender a única paciente que se mantinha em descompasso comigo.
No horário vespertino fiz o balanço dos acontecimentos e conclui que o simples fato de ter sido perdoado pela paciente valeu por todas as dificuldades vividas naquele dia. Tinha recebido muitos abraços, beijos e presentes de outros pacientes, mas o dia foi coroado quando consegui resgatar a paciente com a qual eu tinha falhado.
Três anos antes, durante a última consulta que vivenciei com ela, trocamos farpas, em função de diferença de opiniões a respeito de seu tratamento. Não consegui entender o que ela pedia e aparentemente tornei o desespero dela maior. Tenho a impressão que agi com um ímpeto e pitada de arrogância médica ao impedir dela tomar partido no seu tratamento. Com essa experiência aprendi a dividir com os pacientes as decisões de seus tratamentos, quando estes querem e podem fazê-lo. O importante passou a ser conversar e dividir as decisões, sem impor. Viver o câncer já é difícil. Tomar suas próprias decisões terapêuticas mais ainda. Naquela ocasião eu castrei e só me dei conta disso dias depois. Afortunadamente hoje podemos nos desdobrar em novas decisões e decidirmos em conjunto o que é melhor para ela. Na verdade não interessa quem tinha a razão, pois cada lado apresentaria argumentos de peso e lógicos, que tornariam impossível determinar um ganhador. O importante dessa experiência foi aprender com uma paciente, que meu papel é de orientar e conduzir. Em segundo lugar está meu soberano conhecimento médico. Em primeiro o desejo consciente do paciente.
Esta experiência me deu uma sensação de bem estar, algo que vem sendo veiculado em outros jornais e meios de comunicação em geral: FAZER O BEM é biologicamente benéfico. O processo de reencontro com a paciente gerou em mim, sem dúvida, uma sensação boa. Aprendi a reconhecer os erros e como corrigi-los. Podemos ter todo o conhecimento médico na ponta da língua, mas é indispensável conhecer a alma de cada um dos pacientes para compreender as suas particularidades. Relação médico paciente é uma via de duas mãos.
Aos que alguma vez eu tenha magoado ou não compreendido, peço meu perdão aqui, pois tão humano como vocês eu sou, passível de errar também. Ao Dr. Ghignatti meu obrigado por sempre me atualizar da leitura desta humilde coluna e a todos, reflitam sobre o ato de perdoar.