Imaginem que vocês estão lendo um diário de um paciente no ano de 2050. Pergunto-me como será o caminho a ser percorrido desde uma suspeita até o diagnóstico. Como será cuidar da saúde no futuro, no ano de 2050? Este é um improvável diário de uma fictícia pessoa em 2050. Pode ser que seja apenas uma “viagem”, mas banheiros com softwares diagnósticos já existem...

“26 DE MARÇO DE 2050”:
- 07h45min: Durante o banho, percebi que estou com uma estranha mancha escura nas costas, de uns dois centímetros. Pedi ao monitor do chuveiro que faça uma análise das células esfoliadas durante o banho. Como iria demorar umas duas longas horas até ter o resultado, decidi que era oportuno obter uma análise bioquímica e espectroscópica da minha urina. E Bingo! Estou com várias alterações que precisam ser verificadas pelo meu “E-Doc” (depois do up-grade do E-Doc, fiquei mais tranquilo para o meu check-up dos 40 anos)
- 08h20min: Estou tomando meu café, após ter colocado amostras de sangue, saliva, suor e urina para análise no receptor do meu médico virtual cibernético pessoal, o “E-Doc”. Tem horas que acho muito chato conversar com um computador sobre a minha saúde, mas as estatísticas atuais mostram que ele é mais seguro do que consultar um “Human-Doc”. O diálogo com o “E-Doc” é sempre mecanizado e faz voltas com as mesmas perguntas (confesso que já me deu vontade de “desmarcar” essas sistemáticas consultas mensais que ele agenda). Enfim! A saúde em primeiro lugar, mais ainda se eu quero chegar aos 120 anos! 
- 09h30min: Chega de choramingar! O “E-Doc” disse que a mancha escura nas costas é apenas uma hiperpigmentação temporária da pele, decorrente da falta de vitaminas. Prescreveu: 2 cápsulas de colecalciferol com betacaroteno e 3 sachés de chá verde pela manhã por duas semanas. Recomendou também uma semana de banhos de radiação beta com pleistrôncio, nas costas. Verificou ainda que há um discreto desequilíbrio da flora intestinal, favorecendo um grupo de enterobactérias saprófitas, mas sem maior perigo. Para isto orientou dieta vega da horta comunitária (Vou pegar daquela nova que fica na Volta da Charqueada). Como é bom ter um “E-Doc” em casa!

“07 DE MAIO DE 2050”:
- 20h30min: Depois de quase dois meses de contínuo tratamento com vitaminas e o insosso chá verde, a mancha das costas ficou pior. Agora coça e acho que sangrou hoje durante o jogo de squash. Vou consultar de novo com o “E-Doc”.
- 22h45min: O “E-Doc” refez a bateria de perguntas chatas, analisou a lesão e todos os meus líquidos corporais mais uma vez e mudou o diagnóstico para uma “tal de Psoríase”. Agora pede para passar uma pomada de corticoide mais pralipumumabe, três vezes ao dia e curativo fechado com celupore... Não sei se chamo alguém para consertar o “E-Doc” ou me arrisco a procurar um médico humano! 

“14 DE MAIO DE 2050”:
- 20h02min: Já usei 3 bisnagas de creme, sem nenhuma diminuição do tamanho da lesão. Apenas a coceira diminuiu. Não tenho mais como adiar a busca por um médico humano, mas como escolher? Estes não têm upgrades e não conheço nenhum! Farei uma rápida busca pelo Zenith (o Google já era!)
- 20h32min: Pronto! Achei um com nome estranho e mora num bairro antigo da cidade, que nem sei como chegar lá! De qualquer maneira, a consulta está agendada e vamos ver o que ele pode fazer... Confesso que tenho medo de colocar a minha vida nas mãos de outro ser humano. Estou tão acostumado com meu software médico, que nem sei como será esta consulta (plop!)

“16 DE MAIO DE 2050”:
- 21h10min: Após a visita ao novo médico, estou pensando se devo manter o “E-Doc” comigo. O Dr. Zilveirax, cujo consultório fica no bairro Rio Branco, me ofereceu até uma xícara de um café colombiano! Conversamos durante mais de 30 minutos, durante os quais me senti acolhido. Ele me abraçou e tranquilizou e disse que era importante fazer uma biópsia, a qual ele mesmo fez na hora. O diagnóstico ficará pronto em três dias. Ficarei feliz de rever meu caro doutor de sotaque latino. E o melhor é que ele já está devidamente revalidado da sua formação multinacional (acho que ele não é brasileiro)

“19 DE MAIO DE 2050”:
- 20h00min: Caro diário, estou desolado, pois o diagnóstico é de um melanoma, um dos mais agressivos cânceres de pele e relacionado com a exposição ao sol em horários perigosos e idades tenras. Com a camada de ozônio diminuindo no planeta, 20’ por dia, por alguns verões, foi suficiente para me gerar isso aos 40 anos. O doutor descreveu um padrão de comportamento agressivo, usando um monte de letras: BRAF/ ALK positivos (1+) / MGFR (2++) e com padrão de regressão circular e índice mitótico baixo. Dois núcleos picnóticos por micro-campo. Enfim, teve uma hora que achei que estava falando com o “E-Doc”, com a diferença do toque humano e da sensibilidade de alguém que me tranquilizou de saber o que estava dizendo. Pediu para tomar duas vacinas, produzidas no Japão, com sucesso de 95% de controle do melanoma em 10 anos. Saí do consultório com o coração revigorado e nova fé na humanidade.

“23 DE SETEMBRO DE 2060”:
- Passaram-se mais de 10 anos da minha primeira consulta com o Dr. Zilveirax e na de hoje as notícias foram as melhores que poderia ouvir. Nada mais do melanoma, nem na pesquisa de células tronco malignas circulantes no sangue e de um modo geral a minha saúde é a de um guri de 50 anos!
...A medicina virtual ou auxiliada por computadores e softwares é uma possibilidade factível do futuro. Temos visto cada vez mais a mão do homem sendo substituída pelo “mainframe” cibernético dos computadores. Programas de computador hoje dão assistência de avaliação de riscos e os softwares não param de nos surpreender. Porém, substituir a voz apaziguante e tranquilizadora do médico pela de um computador, talvez não aconteça nunca, pois Drs. Zilveirax e outros continuarão a se formar nas faculdades de medicina, mas os “E-Doc” da vida serão cada vez mais frequentes nos nossos lares. A tecnologia deve ser usada para auxiliar, mas nunca para substituir o contato humano. 
Sei que o cenário é obscenamente improvável, mas é melhor sempre se lembrar dos seus queridos médicos humanos...