BLOG TRIBUNA MÉDICA - DR. SÖREN 
20-07-2013 - a saúde no Brasil: caixa de pandora
20-07-2013 - a saúde no Brasil: caixa de pandora

 


A presidenta Dilma vetou 11 anos de negociações da lei que iria regulamentar a atividade médica. Um atraso para o futuro da saúde já precária no nosso país. A Lei do Ato Médico foi aprovada, mas contendo vetos nevrálgicos. Alguns destes vetos criam barreiras intransponíveis no processo de modernização da medicina no Brasil. Embora autorize a profissionais não médicos a realizar diagnósticos e prescrever tratamentos, o que teoricamente iria permitir o acesso mais rápido, simples e barato a terapias, isto é na verdade uma medida contraditória na planejada proposta de melhoria da saúde.

O 4º Artigo recebeu nove vetos da presidenta Dilma, um dos quais agora permite que profissionais não médicos, que tenham recebido algum treinamento no diagnóstico de doenças, possam teoricamente emitir seus pareceres e diante disso prescrever tratamentos. Eu fico preocupado com o destino desta atitude contra a qual o Conselho Federal de Medicina (CFM) vinha travando uma luta de 11 anos, mesmo que por ora a mudança seja apenas para algumas doenças infecciosas. Este precedente abre uma porta para o charlatanismo e a atividade ilegal da profissão. Não creio que seja um triunfo para o SUS e sim uma desassistência dos que mais precisam. Eis a explicação de porque acho isso: Médicos levam 6 anos de faculdade para atingir razoáveis condições de compreender as patologias e a partir daí considerarem o melhor tratamento disponível. Para melhorarem as chances de acerto no diagnóstico, 60% dos médicos do Brasil tem acesso a 2 anos de residências médicas, as vezes indo até 6 anos. Ainda tem o serviço militar obrigatório de 1 ano, afastando as possibilidades destes jovens almejarem o atendimento dos pacientes tão sonhados. O mais curioso é que além de todo esse tempo, os futuros candidatos a médico em breve terão que trabalhar mais 2 anos para o SUS, em regime de trabalho social obrigatório (algo ventilado também para outras profissões), numa tentativa de suprir as carências e falência do sistema, resultado de incompetência que não é dos médicos (Mínimo de 10 e máximo de 15 anos de estudos). Sem desmerecer a capacidade de profissionais da saúde não médicos, existe uma grande diferença no volume e profundidade de conhecimentos entre estes e os herdeiros de Hipócrates e Galeno. Enfim, eu acho que banalizar o processo médico de diagnosticar, com o irresponsável objetivo de facilitar tratamento para os pacientes mais carentes, foi um tiro no pé destes. E estes ainda não sentiram, mas vão..!

Por outro lado, outros profissionais da saúde devem ter a autonomia de exercerem suas atividades sem a presença de médicos, como nutricionistas, fisioterapeutas, biomédicos, etc. Condicionar estas atividades à supervisão de um médico é desvalorizar outras profissões e condenar as respectivas faculdades a um segundo plano. Assim, em minha opinião, alguns vetos serviram a um propósito maior que não somente aos da classe médica e sou favorável a estes.

Sou peruano de nascimento, mas brasileiro de alma e coração. Fiz toda a minha educação médica neste lindo país. Após tantos anos comprometidos para os estudos e noites em vela, residências e congressos, eu vivencio uma das épocas mais frustrantes para a classe médica. Fomos alavancados a réus em todas as acusações da saúde no Brasil. Desde a falta de macas, remédios e soros, até a falta de infraestrutura hospitalar: todos, itens de responsabilidade das esferas federais, conforme reza a Constituição Brasileira. Somos culpados também por não aceitarmos empregos com contratos apenas verbais e sem plano de carreira. Quem não entende a situação da saúde nas cidades do interior, não vê a classe médica com bons olhos ao preferir ficar nas capitais e grandes cidades, uma vez que nelas há melhores chances de trabalho e de crescimento profissional (Quem não procura um futuro melhor, que jogue a primeira pedra!). Enfim, parecemos ser uma classe esnobe e mercenária, que só enxerga o umbigo.

Por isso eu fiquei extenuado, assim como muitos de nós, em defender os interesses dos nossos pacientes. Pois creio que, quase somente nós, conseguimos vislumbrar o prognóstico e futuro de algumas medidas ministeriais e presidenciais autoritárias e arbitrárias. Depois de tentarmos mostrar a todos os riscos de contratar profissionais médicos estrangeiros sem a devida qualificação, eu conclamo: Tragam tantos quantos quiserem! O ônus ficará por conta de quem fará uso dos préstimos destes, mesmo até porque muitos não têm alternativas. Sejam eles cubanos, espanhóis ou portugueses, nenhum deles poderá atuar nas condições atuais da saúde, às quais os médicos brasileiros têm sendo submetidos há décadas.

Talvez até estejamos equivocados e o futuro nos mostre uma realidade melhor, mas para mim está mais como fazer uma aposta às cegas. É bem verdade que países de primeiro mundo importam médicos estrangeiros, vide exemplos do Reino Unido, Alemanha, Canadá, etc. Mas todos estes países só autorizam a atividade destes profissionais com a devida avaliação, inclusive com proficiência na língua local e o contexto e investimento em saúde destas nações é muito diferente do que acontece no nosso país.

Então por que o Brasil está afrouxando nisso? Eu como médico tenho as minhas hipóteses. Eu sugiro algumas questões a pensar: 1.- A União repassa apenas 4% do PIB para saúde (deveria ser 10%). 2.- A vinda de médicos estrangeiros sem revalidação de diplomas é ausência de garantia de qualidade. 3.- Investimentos colossais em futebol, enquanto a saúde e educação são preteridas. 4.- O Brasil é o segundo país no mundo com mais escolas de medicina e portanto com um número expressivo de médicos se formando por ano. Façam a matemática... 5.- Como assumir trabalhos em cidades do interior onde não há plano de aposentadoria? (Como assegurar o futuro de cada um na senilidade sem plano de previdência?). 6.- Como pode Cuba, um país tão pequeno, produzir tantos médicos para exportação e de tanta qualidade que não precisam ser avaliados no que se refere a sua competência? 7.- O Brasil tem uma média de médicos por mil habitantes acima do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde)

O presidente da Associação Médica Mundial (WMA, siglas em inglês), o Dr. Oitmar Kloiber diz que a importação de médicos é um fenômeno mundial, mas afirma que esse modelo só funciona se houver certeza da qualificação dos profissionais. Em entrevista a rede de televisão alemã, Deutsche Welle (DW), diz estar cético quanto ao modelo cubano de exportação de médicos. Fala textual abaixo:
"Se considerarmos só os números, a quantidade de médico exportada por Cuba, vê-se que não é possível para um país tão pequeno formar profissionais com qualidade, com contato suficiente com paciente." Novamente é só fazer a matemática...

O Brasil, um país onde a arrecadação tributária atinge recorde a cada ano, os investimentos em saúde estão defasados, a União não propõe soluções definitivas e no seu lugar oferece “band-aids”. As prefeituras precisam fazer mágicas e jogo de cintura para conseguirem viabilizar contratação de especialistas médicos ou recorrer à inepta “ambulancioterapia”. E do outro lado os médicos são os responsáveis pela qualidade do atendimento e não pelas garantias. Se as prefeituras não dão garantias, os galenos não podem e nem devem assumir os cuidados de pacientes, pois está assim discriminado no nosso Código de Ética. Devemos denunciar a falta de condições e não ser coniventes com o descaso com a saúde.

Porque os médicos brasileiros não têm com que se preocuparem pela vinda dos estrangeiros e sim apenas os pacientes? Os estrangeiros só vão para regiões onde NÃO tem médicos brasileiros, portanto não há disputa de mercado. Estes irão apenas trabalhar nos locais onde serão instalados, sem opção de empregos secundários. Os pacientes disporão deles apenas por 2 a 3 anos. A mesma estrutura que os atuais brasileiros usam, será usada pelos médicos estrangeiros, mas se o governo mudar isso será uma clara afronta e complô contra a classe médica brasileira.

Para finalizar devo externar que junho de 2013 foi um mês de manifestações embriagantes, uma emulsão de emoções, o “despertar” da nação, mas o triunfo sobre a copa das confederações obnubilou os protestos. A dúvida que paira na minha cabeça é: será que na copa do mundo acontecerá o mesmo? e será que os médicos cubanos vão para o Sírio Libanês também?

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