DICA DE LEITURA (antes de iniciar o assunto da coluna): Como parte de meu papel de informação, sugiro leituras de um filósofo brasileiro: CLÓVIS DE BARROS FILHO, professor de Ética na USP e autor de vários livros (um mestre a ser ouvido e lido!).
Sempre é difícil e complicado discutir estes termos e o pior é que o contexto em que eles se inserem e o momento em que eles são abordados torna a sua compreensão um processo doloroso. Tentarei, pelo prisma objetivo do meu papel de oncologista, conceituar e revelar a encruzilhada destes dois conceitos.
O termo “escolha” parte do pressuposto de que em determinados momentos da vida médica, nos deparamos com pacientes graves, com sérias doenças e situações complicadas, que impossibilitam a continuidade da vida para estes. E é uma escolha, pois mesmo que tenhamos grande certeza, esta não é absoluta, mas em medicina nada é matemático e, portanto devemos tomar uma decisão de como conduzir um caso de paciente em estado terminal ou que tenha mínimas chances de sobreviver durante o curso de sua doença. Não está em pauta aqui a discussão de eutanásia, uma vez que esta conduta é ilícita, ilegal e vedada da atividade médica. Portanto atenhamo-nos apenas a ORTOTANÁSIA e DISTANÁSIA.
ORTOTANÁSIA
Entendemos por este vocábulo a humanitária ação do médico de permitir que o paciente não sofra, ou as dores sejam aliviadas no momento da terminalidade. Ao fazermos isso, consideramos o uso de medidas médicas que permitam que o nosso paciente tenha uma transição o mais confortável possível. Eu vejo este momento como uma transição de estado, para o qual nenhum ser humano foi preparado, mas que tentamos aceitar da melhor maneira possível. Entendo que existe um limite para as ações médicas e humanas e que atingida esta fronteira, temos a obrigação de permitir uma morte digna e sem sofrimento. Nunca, de forma alguma devemos pensar que podemos substituir o poder divino, acreditando que nossa vontade irá mudar o curso da vida de um doente terminal. Toda perda é dura e difícil, mas nenhum de nós fica eternamente e, portanto é importante aprender a aceitar a partida de um familiar.
DISTANÁSIA
O prefixo “dis” significa dificultar, tornar difícil, não permitir. No código de Ética Médica existe um artigo que proíbe veementemente ao médico que exerça esta ação, uma vez que isso significa ir contra os preceitos primordiais da ciência médica, que giram em torno dos ensinamentos de Esculápio e Hipócrates: “Aliviar a dor e sofrimento”. É evidente que ao discutirmos isto, estamos falando de um paciente terminal sem perspectivas de sobreviver. O grande questionamento que muitos pacientes se fazem, é como o médico tem tanta certeza disso? Os anos de estudo, a prática diária, as estatísticas médicas e todos os elementos que rodeiam o quadro do paciente é essência suficiente para termos esta percepção. Um paciente com câncer metastático, que perde a consciência ou entra em coma, perde a função renal, ou faz inúmeras complicações da doença e dos tratamentos, poderá estar diante deste quadro. A melhor pessoa para determinar a terminalidade de um paciente e evitar que seja instituída a DISTANÁSIA, como parte de um contínuo estado de dor e sofrimento e falsa esperança da família, é o médico.
UM PONTO DE VISTA PESSOAL
Na teoria é tudo matemático e conceitual. Na prática não é nada disso e nem tão simples.
Em circunstâncias em que preciso abordar este momento com a família, sempre apresento um aperto no coração, taquicardia, mãos sudoréticas e boca seca. Os colegas que dizem que não sentem isso, não estão sendo sinceros por completo, senão poderiam ser chamados de “máquinas frias” e certamente não o são. Já estive do lado dos familiares e sei como é duro e doloroso ouvir que estamos perdendo um pai, um irmão ou outro familiar querido e amado. Mas sei que quando passei por isso, os médicos do meu pai estavam sabendo o que diziam e eles tinham a mente objetiva para determinar a terminalidade da doença dele. No momento em que entendemos que a medicina tem seus limites e que todo ser humano terá que partir um dia, permitir que este o faça com dignidade e conforto, é a maior demonstração de amor e carinho. Egoísmo não é uma palavra que pode ser usada para estas circunstâncias.
Finalmente acho que não existe uma receita para determinar o momento de permitir uma morte digna e sem sofrimento, mas deve ser o médico a sinalizar quando devemos ser ortotanásicos e não continuar insistentemente tentando resgatar cada movimento respiratório de um doente terminal e sem chance de sobreviver. O miolo do meu trabalho é lidar com muitos pacientes com doenças irrecuperáveis e irreversíveis, muitas vezes em fases muito avançadas de suas enfermidades. Enfrentar este momento junto da família permite que seja menos angustiante a perda.
Ninguém tem dúvidas sobre o quanto amamos nossos familiares doentes, mas temos que saber quando parar, para não tornar a vida deles menos digna e mais sofrida. A pessoa que pode orientar este caminho é essencialmente o médico assistente.
Sei o quanto é duro e difícil discutir isto e até compreender um ponto de vista, mas defendo a necessidade de se conversar. O médico nunca irá impor seu ponto de vista pessoal.
Um último pensamento: “Antes de tomarmos uma decisão por um familiar nosso, imaginem estar no lugar do paciente e o que gostariam que fosse feito com as vossas vidas. Este é talvez o ponto mais importante para se colocar no lugar do doente para assim tomar a melhor decisão para si mesmo e para o paciente”