Uma das maiores dúvidas de pacientes num consultório de oncologia é se o câncer é genético ou hereditário. Há uma diferença substancial no conceito de ambos os termos no que se refere ao câncer. Na verdade eles são com a água e farinha numa receita de bolo (acabam misturados)
Então, meu compromisso com vocês hoje é tentar esclarecer o papel de cada um destes termos dentro do conceito de câncer (pelo amor de deus, se não ficar claro, me mandem um e-mail!)
Sobre a genética: A genética é tudo o que envolve os genes das nossas células. De modo simples e enxuto, tudo o que o nosso corpo é e faz, é resultado da regulação dos genes. A cor dos olhos é o resultado da manifestação de alguns genes. Também somos altos ou baixinhos por causa de determinados genes. Ou seja, os nossos genes (ativados ou inativados) irão determinar como seremos, como funcionaremos, quanto viveremos, enfim!... Todas as nossas características. Cada um de nós tem um GENOMA único (total de genes), como uma impressão digital: não existem duas impressões digitais iguais no mundo e, da mesma maneira, não há dois genomas iguais no mundo.
Exemplo: Vejamos a situação em que os pais de uma criança têm olhos claros e os do filho são castanhos. Neste caso os genes determinaram qual a cor dos olhos do filho e não foi uma herança direta dos pais. É uma manifestação genética individual, não herdada: uma modificação genética.
Sobre a hereditariedade: A hereditariedade é o conceito de que, como descendentes dos nossos ancestrais, e não precisa ser somente dos nossos pais, estamos sujeitos a desenvolver determinadas características físicas. Em síntese: toda herança é genética, mas nem toda característica genética é herdada. Da mesma maneira, nem todos os cânceres são herdados, mas todos são genéticos.
Exemplo: No exemplo anterior sobre genética, a cor dos olhos do filho era diferente da dos pais, mas quando todos, pais e filho, têm olhos claros, podemos dizer que neste caso a herança da cor dos olhos foi transferida de pais para filho. É, portanto uma manifestação genética herdada diretamente.
Um terceiro conceito diz respeito à predisposição genética. Isto se refere a que podemos portar determinadas características nos genes das nossas células que nos tornem suscetíveis a desenvolvermos algumas doenças. O que ainda não sabemos completamente é como as doenças podem acontecer em uma pessoa e em outra não, ou seja, como os genes cumprem esse papel de regulação da predisposição genética. Alguns genes ativos podem tornar os membros de uma família em risco de determinadas doenças, assim como outros genes inativos podem proteger elas de outras doenças. Predisposição genética é o risco de desenvolver uma ou outra doença em determinadas condições, principalmente quando há fatores de risco envolvidos.
Entender este processo e conceitos não é fácil, por isso mencionei que tentaria explicar (o que também não é fácil). Mas aqui resumo o que o leitor precisa saber:
1).-“Os cânceres são genéticos em 100% dos casos” Isso porque todos os cânceres são o resultado de modificações nos genes. Os genes ao serem modificados, podem desencadear um câncer de mama ou próstata, pulmão, etc. Às vezes um gene nos protege contra desenvolvermos um determinado câncer. Se esse gene é desativado, como por exemplo ao fumarmos, podemos desenvolver vários tipos de tumores.
2.-“Os cânceres são hereditários em apenas 10% dos casos”. Os tumores que são herdados dos nossos pais e/ ou ancestrais perfazem apenas 10% de todos os tumores hoje conhecidos. Ou seja, apenas 10% dos portadores de câncer tem uma herança familiar. Mas mesmo tendo uma herança familiar, nem todos os portadores desta herança irão desenvolver o câncer do qual estão em risco.
As pessoas com câncer hereditário se caracterizam por terem seus genes com defeitos adquiridos desde o nascimento, enquanto que as outras pessoas que não tem câncer hereditário (90% dos casos) irão causar os defeitos nos genes no decorrer de suas vidas.
Não há uma maneira fácil de fazer o diagnóstico de cânceres familiares, mas quando nos deparamos com paciente jovem portando um tumor, devemos considerar fortemente algum vínculo de herança familiar e recomendar o rastreamento em outros parentes por doenças parecidas ou outras neoplasias. Lembrar que apenas 10% dos tumores são herdados.
A pessoa com chances de ter câncer hereditário não tem como modificar o seu risco, pois nasce com essa característica: Os genes já nascem com o defeito. A grande maioria dos cânceres com traço de herança familiar acontece em pacientes jovens. Como identificar uma pessoa com este perfil? Algumas destas doenças já estão catalogadas, como a Síndrome de Li Fraumeni, a Polipose Adenomatosa Familiar, a Neoplasia Endôcrina Múltipla I e II, os defeitos de BRCA1 e BRCA2, etc.
Nos 90% restantes, os pacientes tem a chance de modificar seus riscos, evitando a exposição aos agentes causadores. Estes tumores são, portanto causados por fatores potencialmente evitáveis, que causam mutações genéticas novas. A grande maioria destes pacientes apresenta seus tumores acima de 45 anos, e os herdados geralmente com menos de 30 anos.
Em resumo, como regra, de cada dez mulheres com câncer de mama, apenas uma tem câncer hereditário. E esta regra vale para todos os mais de 100 tipos diferentes de câncer aos quais o ser humano está exposto hoje em dia.
EXEMPLO PRÁTICO PARA TENTAR ENTENDER:
“Imaginemos dois jovens órfãos muito parecidos fisicamente. Um deles, aos 20 anos de idade recebe um diagnóstico de câncer de cólon. Sempre teve uma vida saudável, sem nunca ter fumado ou bebido. Após um bem sucedido tratamento ficou curado. No entanto, ele sabe que precisa ficar atento o resto da vida dele, assim como os filhos dele. Este paciente com certeza teve um câncer hereditário”
“Por outro lado, o outro jovem começou a beber e fumar desde os 20 anos, além de ter maus hábitos alimentares, ser sedentário e obeso. Por volta dos 45 anos recebeu o diagnóstico de um câncer de cólon. Da mesma maneira que o primeiro jovem, o tratamento dele foi bem sucedido e encontra-se em acompanhamento médico. Este paciente com certeza não herdou o câncer, mas acabou gerando o defeito com a vida pouco saudável que ele levou até essa idade” Os filhos dele só precisarão se preocupar se imitarem os hábitos errados do pai.
Fiz o exemplo de dois órfãos, para evitar a confusão que a maioria das pessoas faz ao citar a história familiar. Esqueça um pouco do que os seus antepassados sofreram e faça um exame de consciência sobre se realmente você tem uma vida saudável...