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28-08-14 - caminho das pedras
28-08-14 - caminho das pedras

 

                Minha irmã sofre de um distúrbio psiquiátrico-neurológico de caráter progressivo e incurável. A penúltima de seis irmãos, ela só conseguiu terminar o colégio, mas até o último ano o fez como uma das primeiras da sua turma e sem dificuldades. Por motivos que ninguém nunca, ainda conseguiu explicar, o cérebro dela acionou um interruptor que acabou afastando-a do convívio social e criando universos paralelos, onde hoje somente ela tem a permissão para estar. Passava por horas a fio em atividades repetitivas, maçantes, sem sentido ou objetivo aparente, como se sofresse de algum tipo de autismo, numa idade avançada. Não creio que esteja sofrendo desta síndrome de Asperberg ou homônimos, mas o fato é que nenhum cristão até hoje conseguiu fixar a sua atenção ou reconduzi-la ao nosso mundo.

                Alguns anos atrás, afastada de todos e num daqueles momentos de mutismo característico, ela escreveu um texto que intitulou: “O caminho das pedras”. Por acaso consegui ler uma parte deste maravilhoso manuscrito, de alguém que fisicamente pertencia ao nosso mundo, mas que não se permitia o direito de senti-lo do nosso jeito. Lembro vagamente de me deliciar com cada refrão e frase, mas o texto fora todo escrito sem nenhum tipo de pontuação, como se não houvesse tempo para perder e só houvesse espaço para jogar todas as ideias e mensagens de uma vez só. Ler “O caminho das pedras” foi como se investir da dor e sofrimento de alguém que paira num ambiente estéril e desértico, sem ninguém para dividir o desespero da solidão (habitat de algumas doenças psiquiátricas). Era uma leitura que parecia ter saído da pena de um filósofo. Por alguns momentos consegui entender onde a minha irmã tinha ido parar: um lugar que eu, como simples mortal, não teria chance de conhecer. Hoje ela está com pouco mais de 35 anos, com alguns sinais naturais do envelhecimento físico, mas a mente continua numa viagem frenética por universos aos quais poucos teremos acesso. Foi acompanhando-a em consultas a psiquiatras e neurologistas que desenterrei um dos pilares do exercício da minha profissão: diagnosticar doenças por três aspectos: causa, local e síndrome.

                Na nossa sociedade as normas do comportamento são indispensáveis para a socialização e garantir a sobrevivência e convivência, mas isso nos confere o direito de chamar aos que se desviam destes padrões de diferentes e consequentemente serem separados da interação social? Existem obviamente as exceções, como os psicopatas com comportamento agressivo, violento ou até aqueles que oferecem risco para si mesmo. Enfim, entendo que existam pessoas diferentes de nós e talvez tão distantes da nossa compreensão, que na nossa incapacidade acabamos afastando elas de forma torpe e até cruel. Amo a minha irmã, embora nem sempre consiga entender ela. Amo também a todas aquelas pessoas que não são compreendidas, porque sei que muitas delas trafegam por “caminhos de pedra”. Mas principalmente amo e sou apaixonado pela bondade e fragilidade que vejo “nos diferentes”, que na grande maioria são melhores do que todos aqueles seres investidos de pompa e galardões, os mesmos que jogam no tabuleiro do contra e que ditam regras.

                A ciência pede para tratar estes diferentes, mas porque nem sempre leu ou percebeu as pedras no caminho e porque faz parte de seu papel. Não trate com pudores ou com “dedos” quem for diferente, pois um dia, alguém do seu entorno pode precisar percorrer este caminho de pedras. Ame-os, mesmo sem compreender, pois provavelmente eles precisam mais do que você!

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