Cada final de ano é caracterizado pelo desejo intenso e revigorado de mudanças e novas conquistas. A maioria das pessoas, no entanto, apresenta sentimentos conflitantes, de tristeza, saudade, alegria ou euforia. Muitos sofreram a perda de seres queridos por estas datas e comemorar estas festas não chega a ser uma atividade prazerosa. Pessoalmente tenho lembranças inesquecíveis dos meus natais e réveillons, apesar de que no natal de 2009 descobri que meu pai estava com um câncer incurável. Mas nem por isso guardo tristezas dessa data, pois meu pai só deixou lindas lembranças na minha vida.
Não é a leitura da atual coluna, motivação para destacar algum sentimentalismo relacionado a estas datas. De fato pouco ou nada parece ter a ver o propósito desta coluna com o assunto atual. Mas na verdade meu objetivo hoje é motivar as pessoas a refletir sobre a perda, o luto e a saudade. É inevitável que sintamos falta e até saudável que durante determinadas épocas do ano isto se intensifique. Mas não podemos deixar de comemorar a vida, nos extasiar com todas as suas minúcias e particularidades. Mesmo para quem adoece ou para quem convive com o doente.
Aproveitar a vida é em sua essência, extrair beleza daquilo que já não parece mais visível. É como uma obra de arte em constante e dinâmica transformação, que nunca acaba e nunca está pronta, mas não deixa de ser admirável a cada momento. Aproveitar a vida é transformar aquele abraço, aquelas palavras e carinhos em momentos de uma eterna lembrança. Não é viver no extremo da nossa tolerância física, forçando nossas condições e nossos órgãos e sistemas a suportar todos os nossos excessos e vícios. Não é aproveitar a vida numa noite, mas fazer com que uma vida seja toda ela inesquecível.
Para mim, quando um paciente nos deixa, costumo pensar que o mundo fica menos charmoso. Aprendi isso na minha pretérita vivência com um paciente do Alegrete que atendia em Porto Alegre. Saudades daquele gaúcho! Mas aprendi na convivência com ele que a alegria está na família que criamos, nos vínculos sociais que são feitos no nosso viver e na maneira como interagimos com os nossos congêneres. Só teremos noção do valor do que temos, quando não estiver mais conosco. A inevitável efemeridade da nossa existência nos leva a considerar viver cada momento como se fosse único, não como se fosse o último, pois esta seria uma perspectiva pessimista e fatalista. Guardar uma lembrança feliz e de dignidade é o que devemos fazer. O legado que deixamos deve se tornar a lembrança do futuro, o que nos leva a conclusão de que podemos escolher as opções certas ou erradas. Prefiro as corretas!
Daí que, em vista de nossas vidas terem este aspecto tão valioso, não me contenho para lhes dizer que não há espaço para os arrependimentos e sim devemos focar no máximo o aproveitamento das nossas vidas e dos que amamos e não somente nas datas de final de ano