Lidar com o diagnóstico do câncer e empreender a caminhada de tratamentos requer uma dose ímpar de paciência, dedicação, disciplina e coragem. Sobretudo no início, quando ocorre um literal desgarramento, tanto no sentido físico quanto no emocional. Os pacientes perdem muitas vezes a direção de suas vidas, desaparece o interesse nos prazeres mais simples e os projetos ficam em segundo plano. O paralelo seria o de entrar num redemoinho onde as baterias da nossa existência fossem levadas à quase exaustão, permanecendo um sinal fraco de vontade e persistência. Mas o que nos faz persistir e se sobrepor a todas as dificuldades enfrentadas desde o início do diagnóstico de um câncer?
As respostas para a pergunta acima podem ser inúmeras, desde a força de vontade até a ajuda de medicamentos. Mas o que eu acho que funciona como uma Estrela Polar, que conduz os pacientes rumo ao destino certo, é a espiritualidade e a fé. Não com isso pretendo construir polêmicas com relação a religiões ou credos, pois hoje dispomos de tantas opções que teríamos o mesmo número de opiniões e divergências.
Religiosidade é, a meu ver, diferente de espiritualidade. Entendo que as duas podem andar de mãos dadas, mas creio que a religiosidade é uma concessão oferecida pela nossa sociedade e que varia de acordo com contextos sociais, familiares e de época, enquanto que a espiritualidade vem como um presente da nossa humanidade e ela varia em intensidade de um ser humano para o outro. A espiritualidade não precisa da religiosidade, mas o inverso é obrigatório.
Não concebo que possamos lidar com diagnóstico e tratamentos para o câncer sem o exercício da fé e espiritualidade. Frequentemente sou interpelado com perguntas sobre a minha religiosidade e na grande maioria das vezes respondo de forma esquiva, pois considero que nenhuma religião é mais certa do que a outra. Creio que para cada um, a sua escolha religiosa serve como a opção mais acertada e deve ser respeitada. As religiões são o homônimo das cores de um arco íris, onde cada uma representa uma cor e a espiritualidade e fé são como uma calorosa e envolvente cor branca, onde não há diferenças e nem segregacionismos entre as pessoas. É preciso fortalecer nosso espírito com todos os sentimentos e ações que nos deixam melhor e mais firmes. Desta maneira creio que não preciso induzir alguém a acreditar numa religião ou outra, mas permitir que cada crença seja respeitada e fortalecida para que ela seja mais uma arma no tratamento do câncer.
Finalmente creio que nesse sentido o papel do médico é de extrema importância, pois o tratamento e cura da doença dependem da confiança estabelecida entre o paciente e seu tratador e do fortalecimento da fé que ele pode incutir nos seus pacientes. Neste processo não há ganhadores ou perdedores e nem heróis. Os médicos também processam suas espiritualidades a cada paciente atendido, servindo como combustível para os próximos a serem tratados. Compreendo que a cada contato e encontro entre médico e paciente acontece uma simbiose que alimenta um ao outro.
A espiritualidade é sem dúvida alguma uma potência extra ao desempenho do tratamento oncológico. Como fazer com que ela fique melhor? Rodeie-se de sentimentos positivos, boas relações sociais, desprenda-se de suas frustrações, passeie, viaje, intensifique toda ação que lhe deixe uma sensação boa (ir ao cinema, ler um livro, reencontrar os seus amigos e tantas outras coisas!) e sobretudo respeitemos as crenças dos outros.